A atuação da Força Nacional de Segurança no Entorno do Distrito Federal (DF), a partir de abril do ano passado, preocupou a quadrilha liderada pelo empresário Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, que passou a enfrentá-la ao se sentir ameaçada. Convocada para reduzir os índices de violência na região, a Força Nacional começou a atuar também no enfrentamento a outros tipos de crimes, inclusive a exploração ilegal de jogos de azar.
Por meio do vazamento de informações, a quadrilha tentava evitar o recolhimento de caça-níqueis e a prisão de comparsas, segundo revela o inquérito da Operação Monte Carlo. Além disso, investigações da PF mostram que Cachoeira tentou desmoralizar a Força Nacional por meio da mídia local.
Nos primeiros dez dias de atuação, com ações concentradas em bares, a Força Nacional apreendeu 13 máquinas caça-níqueis no Entorno. Depois, até agosto, foram mais de cem equipamentos. Isso teve reflexo direto na contabilidade da quadrilha, visto que, conforme as investigações da Polícia Federal, uma casa de jogos de azar clandestina em Valparaíso, com até 30 máquinas, chegava a faturar mais de R$ 1 milhão em um mês.
Para driblar a ação da Força Nacional, Cachoeira contou com o apoio de policiais militares – incluindo o comandante do 5º Comando Regional da Polícia Militar (CRPM) de Luziânia, major Uziel Nunes dos Reis, de policiais civis e federais, e de pelo menos um jornalista. Outro policial militar do Entorno que aparece com frequência nas conversas telefônicas e que citou algumas vezes a ação da Força Nacional é o cabo Francisco Miguel, que seria, segundo as investigações, responsável por gerenciar a segurança dos bingos de Cachoeira em Valparaíso.
Em uma conversa interceptada no fim de junho, Miguel pede ao major o “cronograma da festa”, referindo-se à agenda de atuação da Força Nacional na Região do Entorno do DF. As informações estariam em um bloco de anotações na mesa de Uziel. Neste mesmo dia, o então comandante da 5ª CRPM teria ligado para Lenine Araújo de Souza, considerado o primeiro na linha sucessória da quadrilha depois de Cachoeira, e repassado toda a agenda (veja fac-símile acima com a transcrição da conversa).
Agosto foi o mês em que a Força Nacional é mais vezes citada nas conversas entre membros do grupo de Cachoeria interceptadas pela PF. No dia 5 de agosto, Raimundo Washington de Souza Queiroga, que administrava as casas de jogos em Valparaíso, pediu para Francisco que visse com o major Uziel informações sobre a atuação da Força Nacional para que antecipassem medidas para evitar o fechamento dos bingos clandestinos. “Era duas horas da manhã, passou lá na porta do bingo. Precisa saber se ela tá hoje, se tava ontem” (sic), disse Washington em uma conversa com o cabo da PM.
Em outra conversa interceptada em agosto entre um soldado da PM que trabalhava para o grupo em Valparaíso e Francisco, os dois falam sobre “um problema com a Força Nacional” no dia 6 de agosto, que atrasou o pagamento de uma propina ao soldado.
Cachoeira contava também com o apoio de informantes dentro da Polícia Civil. Em uma conversa com o empresário, interceptada no dia 30 de maio, o ex-vereador Wladmir Garcêz – que fazia a ponte entre Cachoeira e o então corregedor da Polícia Civil, delegado Aredes Pires - explica que as operações contra os caça-níqueis no Entorno do DF saíram das mãos do Grupo Tático da Polícia Civil (GT3) e passaram para a Força Nacional.
Ainda na mesma conversa, segundo o ex-vereador, que hoje se encontra preso no Núcleo de Custódia da Casa de Prisão Provisória (CPP), em Aparecida de Goiânia, a transferência de responsabilidade foi uma determinação do então delegado-geral Edemundo Dias, hoje presidente da Agência Prisional.
Para enfrentar a Força Nacional, Cachoeira recorria até à imprensa. Em uma conversa telefônica interceptada pela Polícia Federal no dia 24 de junho, Lenine e um jornalista de uma rádio do Entorno do DF combinavam a atuação do jornalista no programa dele criticando a Força Nacional. “Vou passar uns quatro, cinco dias batendo para ver se eles desanimam um pouquinho”, disse o jornalista.
Subordinação
A secretária nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, Regina Miki, que responde pela atuação da Força Nacional em todo o País, afirmou que a PM de Goiás coordena todas as operações desenvolvidas com a equipe de cerca de 50 homens da Força Nacional. Além disso, segundo a secretária, a equipe usava o mesmo sistema de rádio da PM, o que facilitaria vazamentos de informações. Regina ressalta que desconhece o conteúdo do inquérito da Operação Monte Carlo, mas reconhece que a Polícia Militar tinha acesso a todas informações das atividades da Força Nacional.
Regina diz que a ação da Força Nacional em bares e locais onde foram encontrados caça-níqueis se deu principalmente porque foram identificados como os pontos onde os índices de violência eram maiores. “A Força Nacional buscou atacar o problema diretamente. E se precisava fechar bares irregulares, casas de jogos, boca de fumo, a equipe agia neste sentido”, disse.
No Entorno desde abril, a Força Nacional já esticou o prazo de permanência duas vezes. Uma em novembro e outra em fevereiro. “A equipe fica pelo menos até maio, mas se o governo estadual pedir novamente, estenderemos o prazo”, informou Regina.